Chico Mendes projetou uma Utopia
Ailton Krenak
Com essa experiência de Xapuri em realizar esse Encontro Nacional [dos Seringueiros] em Brasília, (…)
nesse encontro se começa a descobrir outras lideranças que viviam isoladas, (…) e começa então a se expandir pra toda a Amazônia essa luta. E surge a proposta de aliança com as principais lideranças indígenas, (…) se pensa numa possibilidade de manter contato com a direção da União das Nações Indígenas. Se faz um contato, através do Ailton Krenak, com Biraci Brasil, a discussão começa a se ampliar e hoje começa-se já a acontecer os encontros dos índios com a participação dos seringueiros e a Aliança começa a se ampliar (…) Denomina-se com isso a Aliança dos Povos da Floresta Amazônica.
Chico Mendes – Depoimento a Lucélia Santos em maio de 1988.
Eu hoje fico pensando como a agenda da Aliança dos Povos da Floresta tinha um apelo tão forte e tão mobilizador. Eu acho que esse apelo tinha a ver um pouco com a novidade da nova Constituição [de 1988]. Foi nesse ambiente que o Chico Mendes projetou mais do que ideias, ele projetou uma utopia.
Com sua presença calma, com o seu próprio tom de voz – nunca tinha exaltação na fala dele e, mesmo quando ele falava das injustiças, das coisas duras que aconteciam com ele e com a fl oresta, a maneira dele expressar era sempre tão amorosa e tão boa que, em vez de desespero, o que o Chico passava sempre era a esperança.
A presença do Chico como uma pessoa da paz e do diálogo, naquele momento em que o Brasil vivia o seu processo de redemocratização, ficou marcada de forma muito especial naquela plantinha que nós chamamos de Aliança dos Povos da Floresta, que brotou naquele ambiente de mudança.
Apesar de todas as dificuldades, porque nada foi fácil e nem a gente sabia se a semente que nós plantamos ia vingar ou não. Quando ainda não se pensava na articulação de vários setores da sociedade, a nossa Aliança juntou índios, seringueiros, ribeirinhos e mais um monte de gente em uma só bandeira, em um espaço acolhedor para a prática da parceria e da solidariedade.
Eu me sinto orgulhoso de ter participado de tudo isso com uma turma tão comprometida com o entendimento de que a floresta é uma lugar sagrado onde a vida se realiza de maneira plena.
Durante toda essa jornada, a presença do Chico foi sempre muito viva e muito importante. Até hoje a presença dele é tão forte e tão inspiradora que muitas vezes sinto que está bem aqui junto com a gente.
Mas hoje, passados quase 35 anos da morte do Chico, tento, com uma certa distância, re-contextualizar essa nossa história e esse legado do Chico Mendes para repassá-lo à geração que agora chega, que se acerca de nós através de nossos filhos e netos.
Ao fazer essa reflexão, penso sempre no Chico Mendes como um ser humano curioso, inquieto e instigador, que estava sempre buscando alternativas para melhorar a qualidade de vida dos povos da floresta.
Ailton Krenak – Fundador, junto com Chico Mendes, da Aliança dos Povos da Floresta. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Imortal da Academia Brasileira de Letras