Jaime da Silva Araújo

Jaime da Silva Araújo: Primeiro Presidente do CNS (1985–1988)

Jaime da Silva Araújo era, segundo o jornalista Elson Martins, um duende das matas, um ser que, lendo poemas e rezando sua própria oração de seringueiro, encantava “estudantes, intelectuais e políticos de Brasília com a desenvoltura com que anunciou a existência dos povos da floresta”, ao ser aclamado o primeiro presidente do CNS, em 17 de outubro de 1985.

De uma entrevista concedida à Vássia da Silveira e publicada por Elson Martins, em sua coluna Almanacre (27/05/2007), extraímos alguns fragmentos sobre a trajetória de vida de Jaime e sobre como ele chegou à presidência do CNS.

Índio potiguar de origem, Jaime tinha apenas dois meses de nascido quando seu povo foi dizimado. Criado por pais adotivos no Ceará, aos 19 anos veio para a Amazônia, onde se tornou pescador, castanheiro, embarcadiço,
caçador e seringueiro, onde seguiu aprendendo tudo na prática.

“Tudo eu aprendi na prática. Devia ter uns oito anos e morava em um local onde tinha muita areia e escrevia nela com um pedaço de pau. Depois ficava de pé, do lado, e ia discursar o que tinha escrito”. Considerava-se autodidata e um líder nato, porque não passou por nenhuma escola.

Pra mim, a escola é o amanhã. Eu aprendi hoje, e amanhã falo de hoje: isso é uma grande escola pra mim, o dia a dia. Quando falo sobre a defesa, qualidade e comercialização da piaçaba, é porque eu cortei piaçaba.
Quando lhe falo sobre a castanha, é porque trabalhei com castanha. Quando lhe falo da copaíba, é porque coletei copaíba. Quando lhe falo da malva e da juta, é porque trabalhei com malva e juta. Quando lhe falo sobre a borracha, é porque fui seringueiro.

Em 1985, Jaime perambulava pelos seringais do rio Madeira, no Amazonas, onde era membro de uma Comunidade Eclesial de Base e organizava os seringueiros na luta contra os agressores (em geral pecuaristas), que estavam chegando à região.

Sem que tivessem combinado ou conversado antes, Chico Mendes fazia o mesmo no Acre e, quando se encontraram, ele foi convidado para participar do Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, em Brasília.

Pela performance que exibiu no Encontro, Jaime foi convidado para dar aulas de História da Amazônia na Universidade de Brasília. Mesmo sem formação universitária, lecionou durante um ano e meio na UnB.

Como presidente do CNS, Jaime Araújo fez palestras no Brasil e no exterior, reproduzidas em vários idiomas. Em 1989, lançou seu primeiro livro: A Amazônia, o Seringueiro e a Reserva Extrativista, traduzido para o inglês, que revelou nele um artista plástico inspirado. Após deixar a UNB, foi levado pela antropóloga Mary Allegretti para lecionar e pintar na Universidade Aberta, inaugurada no Parque Chico Mendes, na cidade de Curitiba.

Diz a lenda que, quando Jaime partiu deste mundo, virou duende das matas, onde segue eterno no coração das populações da floresta, assobiando o seu Pai Nosso do Seringueiro:

Seringueira que estais na selva
Multiplicados sejam os vossos dias
Venha a nós o vosso leite
Seja feita a nossa borracha
Assim na prensa como na caixa
Para o sustento de nossas famílias
Nos dai hoje e todos os dias
Perdoai nossa ingratidão
Assim como nós perdoamos
As maldades do patrão
E ajudai a nos libertar
Das garras do regatão
Amém!

Marcos Jorge Dias – Escritor. Estudante de Jornalismo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.