CARTA REGIONAL DAS JUVENTUDES DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

Nós, jovens indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, vindos de diferentes territórios da Amazônia, reunidos no III Encontro das Juventudes de Povos e Comunidades Tradicionais – Juventudes de Mãos Dadas pelo Clima, rumo à COP30 –, ato que marcou os 40 anos de fundação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), os 35 anos das reservas extrativistas e os 14 anos de criação do projeto “Jovens como Protagonistas pelo Fortalecimento Comunitário”, organizados em uma grande ciranda de mobilização no coração da Amazônia, afirmamos com força e coragem: nós somos parte essencial das soluções frente à crise climática global!
A Amazônia não é um vazio a ser explorado, como parte do mundo imagina. É um território vivo, habitado, cuidado e defendido por nós, povos da floresta e das águas, que historicamente fazemos a gestão territorial e do bem viver em nossas comunidades. Nesse sentido, a COP30 precisa expressar a voz ativa das juventudes tradicionais e dar visibilidade à importância dos nossos territórios tradicionais de uso coletivo. As mudanças climáticas têm impactos avassaladores na vida dos povos da floresta e das águas, e não há como discutir mudanças climáticas sem garantir o reconhecimento e a proteção dos nossos territórios, o respeito ao meio ambiente e a garantia dos nossos direitos.
Nossos corpos e territórios existem e resistem! A insegurança territorial e fundiária é um dos maiores motivos de violação de direitos e opressão social. O desmonte contínuo das políticas socioambientais e o incentivo a políticas que favorecem a economia da destruição colocam em risco nossos territórios, nossa existência e o futuro do planeta. Com o agravamento das mudanças climáticas, não podemos pescar, caçar, estudar, plantar ou navegar com segurança.
Mesmo diante de tantos desafios, seguimos cuidando das nossas roças, dos nossos rios, lagos, da floresta, das nossas línguas, saberes e culturas. Mas esse não é um dever só nosso. O Estado brasileiro precisa criar condições políticas para garantir a proteção e a gestão dos nossos territórios, bem como políticas que possibilitem um desenvolvimento socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável. Somos juventudes que aprendem com os mais velhos, com os anciões e anciãs, a força da coletividade, do respeito à terra e à ancestralidade. E agora, é nossa vez de falar por nós.


Diante disso, reivindicamos:

  • Políticas públicas de reconhecimento do protagonismo das juventudes de povos e comunidades tradicionais, como sujeitos políticos essenciais para o enfrentamento, adaptação e mitigação às mudanças climáticas. Não aceitamos ser tratados apenas como números, nem como meros beneficiários de políticas impositivas, vindas de cima para baixo. Exigimos ser ouvidos, ocupar e protagonizar os espaços com voz e poder de decisão.
  • Políticas públicas e financiamento climático para apoiar o reconhecimento, proteção e desenvolvimento dos nossos territórios. Precisamos de financiamento direto para apoiar as organizações sociais que trabalham com o fortalecimento das juventudes e a gestão dos territórios.
  • Políticas de educação e saúde construídas com e a partir dos povos e comunidades tradicionais. Nada para nós, sem nós! Exigimos uma política de educação técnica e superior contextualizada no território, que reconheça e fortaleça nossas culturas e modos de vida. Para nós, juventudes de povos e comunidades tradicionais, não existe desenvolvimento sustentável enquanto houver políticas que violam nossos direitos, expulsem nossos povos dos territórios ou contribuam para a desigualdade e a injustiça social.
  • Apoio técnico, político e financeiro à gestão territorial comunitária. Somos nós que, na prática, fazemos a vigilância, o manejo, a proteção e a gestão dos territórios de uso coletivo. Exigimos uma política nacional de gestão integrada e compartilhada nos territórios tradicionais, conforme nos garantem a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT.
  • Fortalecimento das economias da sociobiodiversidade, com base no conhecimento tradicional, em práticas sustentáveis e na autonomia dos povos. Exigimos a criação e o aprimoramento de políticas públicas de apoio e fomento à produção sustentável, a partir do fortalecimento das economias da sociobiodiversidade. Os agentes públicos precisam garantir recursos para implementar a política nacional de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças do clima, valorizando nossas formas de viver e produzir no território. A floresta está em pé porque nós estamos nela. Nós somos ela!
  • Respeito à autodeterminação dos povos e à diversidade dos modos de vida. Nossos saberes, territorialidades, culturas e espiritualidades são parte do equilíbrio socioambiental e precisam ser reconhecidos como ciência e como prática política. Isso não pode ser ignorado na construção das políticas públicas que serão implementadas em nossos territórios.
  • Segurança e proteção territorial. A demarcação, o reconhecimento e a criação dos territórios tradicionais devem ser discutidos como uma pauta climática. Não existe Amazônia sem os povos, e não existem os povos e comunidades tradicionais sem os territórios. Precisamos, com urgência, da demarcação das unidades de conservação, terras indígenas, quilombolas e demais territórios de povos e comunidades tradicionais, para garantir a segurança e a proteção das populações e dos recursos naturais, respeitando a igualdade e a equidade de gênero no acesso aos direitos territoriais.
  • Respeito e reconhecimento às salvaguardas. Exigimos a proteção de salvaguardas que reconheçam a consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, conforme a Convenção 169 da OIT, como parte essencial dos processos de licenciamento de projetos de infraestrutura e empreendimentos. E que as juventudes possam ter participação ativa em todos os processos de tomada de decisão.

Esperamos que a COP30 não seja apenas um espaço de diálogo político, mas que apresente resultados concretos. Diante do exposto, nós, jovens de povos e comunidades tradicionais, cientes de que somos o presente e o futuro, reafirmamos nosso compromisso em atuar e contribuir com a conservação, a preservação e o desenvolvimento. Nós existimos porque alguém antes de nós existiu, porque alguém antes de nós resistiu! E, com o mesmo propósito e espírito, seguiremos firmes rumo à COP30, levando o legado de Chico Mendes, ecoando nossas vozes para que o mundo conheça nossa força, nossa história, nossas culturas e a importância dos nossos territórios no enfrentamento às mudanças climáticas!
A morte da floresta é o fim das nossas vidas! COP30: a resposta somos nós!


Assinam:

Juventudes de Povos e Comunidades Tradicionais reunidas no 3º Encontro de Juventudes Tradicionais – Quilombo São Francisco do Bauana – Alvarães/AM


Arquivo:

Carta Regional das Juventudes de Povos e Comunidades Tradicionais