Carta da Semana da Sociobiodiversidade

Carta da Sociobiodiversidade: http://cnsbrasil.org/wp-content/uploads/2025/09/CARTA-SOCIOBIODIVERSIDADE-2025.pdf

Brasília, 05 de setembro de 2025.

Nós, lideranças indígenas, povos e comunidades tradicionais extrativistas,
quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, campesinos e campesinas, ribeirinhos,
pescadores e pescadoras artesanais, extrativistas costeiros-marinhos nos reunimos, entre os
dias 01 a 05 de setembro de 2025, em Brasília, para a “Semana da Sociobiodiversidade:
Fortalecendo Economias Sustentáveis, Pessoas, Culturas e Gerações”. Contamos com a
presença de mais 450 líderes de organizações sociais e populares e reafirmamos a
importância do legado de Chico Mendes em defesa da Amazônia e da Aliança dos Povos da
Floresta, do Campo e das Águas como estratégia de luta popular para garantia e consolidação
dos nossos territórios e maretórios.

A Semana da Sociobiodiversidade foi um espaço de fortalecimento das economias da
sociobiodiversidade no Brasil, por meio da promoção de diálogos e articulações entre
diferentes setores e redes, com foco especial na região amazônica e costeiros-marinhos,
incluindo outros biomas.

Foram abordados os temas: gestão e governança socioterritorial; mudanças
climáticas e impactos nas economias da sociobiodiversidade; estratégias para a 30ª
Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(COP 30); intercâmbio intergeracional e protagonismo das juventudes; políticas públicas;
instrumentos econômicos públicos e privados; comércio justo e relações éticas com o setor
privado.

Neste momento que todas as atenções estão voltadas para o Brasil pela realização
da COP 30 em Belém, esse evento teve como objetivo pensar soluções globais para um novo
modelo de desenvolvimento que conciliam o desenvolvimento socioeconômico com a
conservação da biodiversidade, reconhecendo a importância dos conhecimentos tradicionais
e a interdependência entre a conservação dos ecossistemas, a equidade social e a
responsabilidade ambiental.

Reiteramos nosso posicionamento frente ao contexto de ameaças aos territórios e
maretórios de uso coletivo. Para nós, são espaços sagrados de construção e manutenção
das nossas identidades, saberes, fazeres e lutas. São raízes de nossa ancestralidade, onde
se assentam processos políticos, sociais e econômicos. Mesmo com a lacuna de políticas
públicas socioambientais, de regularização de parte de nossos territórios e maretórios, o
devido reconhecimento e retribuição por nossos conhecimentos e serviços, somos
responsáveis pela conservação, manejo e proteção de mais de 30% de áreas protegidas
terrestres e 26% de áreas marinhas.

Os principais processos de emissão de gases do efeito estufa e de perda da
biodiversidade no Brasil estão ligados a conflitos de governança do uso e acesso a terra e ao
fomento a “Economia da Destruição” (ocupação desordenada, especulação imobiliária,
agronegócio, mineração, garimpo, exploração ilegal de madeira e exploração de petróleo e
gás). Em contrapartida, nossos sistemas de manejo e de produção de alimentos são
promotores de biodiversidade, conservam o ambiente e mantêm ecossistemas e seus
serviços (solo, água, clima, paisagens, entre outros). Mas o que observamos na prática é que
as políticas públicas e a estrutura do Estado beneficiam as chamadas “Economias da
Destruição”, enquanto as economias da sociobiodiversidade enfrentam injustiça, racismo
ambiental e desafios no acesso a incentivos e benefícios.

Reiteramos que a manutenção dos nossos territórios e maretórios e a promoção de
nossos modos de vida é fundamental para que o país possa demonstrar ao mundo esforços
efetivos para evitar a catástrofe climática.

A consolidação desses territórios e maretórios passa pela promoção, estruturação e
desenvolvimento das economias da sociobiodiversidade. A sociobiodiversidade é a
coexistência e inter-relação entre a biodiversidade e a pluralidade de sistemas socioculturais
que considera os povos, os territórios e maretórios, o conhecimento tradicional e os modos
de vida como aspectos centrais para o desenvolvimento sustentável de regiões, estados,
biomas e países.

As economias da sociobiodiversidade contemplam uma ampla gama de atividades,
setores e produtos, abrangendo o extrativismo florestal e animal, a agricultura de base
familiar, o artesanato, a pesca artesanal, o manejo da paisagem, o turismo de base
comunitária, entre outros. A sociobioeconomia que defendemos está alinhada com a ciência
e a tecnologia para melhorar a coleta dos produtos florestais e da pesca, que nos permitam
processar, armazenar e comercializar os produtos da sociobiodiversidade, respeitando os
nossos modos de vida.

Somos contra processos de inovação que resultem em pacotes tecnológicos e
sistemas de produção de altos insumos, difundidos para substituir a floresta nativa por
monocultivo de variedades geneticamente uniformes, que favorecem as grandes commodities
com o objetivo de atender a indústria de alimentos e depois serem falsamente propagados
como sistemas ambientalmente adequados. Inovação, para nós, não pode resultar em
processos que venham ameaçar nossos territórios e maretórios, as nossas formas
tradicionais e harmônicas de viver e produzir.

Conforme dados das plataformas oficiais, no Brasil, essas economias desempenham
papel significativo para a segurança e soberania alimentar da sociedade brasileira, para o
emprego e geração de renda e para a conservação da biodiversidade. Mas ainda sofremos
com a invisibilidade histórica, a deficiência de dados, a baixa repartição de benefícios pela
inovação a partir dos conhecimentos tradicionais e do patrimônio genético, o não
reconhecimento dos serviços ambientais associados e de políticas públicas socioambientais
que precisam ser aperfeiçoadas.

Reconhecemos os desafios enfrentados para garantir a permanência da juventude no
território e o fortalecimento de nossas identidades, culturas e modos de vida. Reafirmamos
que a juventude extrativista é guardiã da sociobiodiversidade. Nossas demandas expressam
a urgência de políticas públicas que assegurem o direito de existir, resistir e sonhar em nossos
territórios e maretórios.

A mobilização da Semana da Sociobiodiversidade reforça que povos extrativistas, indígenas, quilombolas, costeiros-marinhos e os demais povos e comunidades tradicionais não são apenas guardiões da floresta, dos campos e das águas, mas também protagonistas de soluções concretas para a crise climática e para um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.

Durante a encontro em Brasília foi realizada a Pré-COP dos Oceanos, Pesca Artesanal e Extrativista Costeiro-Marinho, o III Encontro Nacional das Juventudes de Povos e Comunidades Tradicionais, a 14ª Reunião do Coletivo do Pirarucu, a Reunião do Coletivo da Borracha e a Reunião do Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA) & Mobilizadores das Regionais Castanheiras.

Nossas reivindicações prioritárias são:

1.Segurança socioterritorial e Salvaguardas

  • Garantir a consulta livre prévia e informada dos povos e comunidades tradicionais, conforme a Convenção 169 da OIT, com compensação ambiental, frente aos grandes projetos de infraestrutura ou empreendimentos, como exploração de petróleo no litoral, parques eólicos, hidrelétricas, exploração de terras raras, entre outros;
  • Assegurar os instrumentos de salvaguarda e respeitar os protocolos de consulta comunitária;
  • Garantir a proteção das lideranças e ativistas ambientais e seus territórios;
  • Ampliar os programas e combate ao crime organizado e crimes ambientais para atuação nos territórios e maretórios tradicionais de Uso Coletivos.

2.Gestão e Governança Territorial

  • Demarcação e Proteção Territorial das Terras Indígenas, Reservas Extrativistas (Resex) e Territórios Quilombolas;
  • Garantir que o Estado promova ações integradas de proteção territorial, assegurando soberania, sustentabilidade ambiental e direitos dos povos e comunidades tradicionais;
  • Fortalecer o protagonismo de mulheres e jovens na gestão socioterritorial e nas cadeias produtivas, promovendo equidade de gênero e inclusão social;
  • Criação e consolidação das Resex Costeiras e Marinhas e territórios de povos e comunidades tradicionais na zona costeira-marinha;
  • Fortalecimento das Unidades de Conservação de Uso Sustentável, garantindo protagonismo comunitário na gestão;
  • Defesa dos territórios frente a grandes empreendimentos, garantindo consulta livre, prévia, informada, com atenção especial aos empreendimentos de eólicas offshore, da indústria do petróleo e gás, mineração do mar, portos e cabotagem, turismo de massa e aquicultura industrial. Isso não é Economia Azul;
  • Consultar e garantir o protagonismo das comunidades tradicionais costeiras-marinhas sobre propostas de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) que tratem da temática de Oceanos e Zona Costeira;
  • A inclusão da juventude no debate e discussões referentes à demarcação e regularização fundiária.

3.Políticas Públicas, Instrumentos Econômicos e Financiamentos

  • Ampliar o orçamento do PAA Compras Públicas e retomada do orçamento para o PAA Formação de Estoque para os produtos da sociobiodiversidade;
  • Ampliar o acesso e realizar a adequação do PRONAF à realidade e diversidade de povos e comunidades tradicionais;
  • Garantir a participação dos povos e comunidades tradicionais no processo de regulamentação e implementação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais para as economias da sociobiodiversidade;
  • Garantir amplo apoio do Congresso Nacional na tramitação do PL 1.528/2025 (Garantia-Safra) como política emergencial em caso de eventos extremos, em que povos e comunidades tradicionais tenham suas rendas diminuídas por quebra de safra e outros;
  • Criar o Seguro Seringueiro/Extrativista para entressafra (aos moldes do Seguro Defeso);
  • Garantir a aprovação da revisão da Instrução Normativa Conjunta nº 17 (MAPA/MMA), referente à certificação orgânica de produtos extrativistas, possibilitando a inclusão do pirarucu manejado como produto extrativista orgânico;
  • Assegurar recursos adequados para a PGPM-Bio/SocioBio+, incluindo limites por família, preços mínimos e valores globais, superando os atuais gargalos orçamentários;
  • Reforçar o Programa de Manejo Sustentável do Pirarucu (Arapaima gigas) e Conservação dos Ecossistemas de Várzea – Programa Arapaima do IBAMA, garantindo orçamento, servidores e estrutura técnica necessárias para sua implementação;
  • Viabilizar políticas de infraestrutura – transporte, armazenamento, logística, processamento – para as economias da sociobiodiversidade;
  • Fortalecer os modos de vida e os sistemas alimentares da pesca artesanal, costeira-marinha e continental, com incentivos para a produção, infraestrutura, condições e preços justos para acessar mercados;
  • Garantir o controle social na implementação da Lei Complementar 214, de 2025 (nova lei tributária) para efetivação das isenções tributárias dos produtos da Sociobiodiversidade;
  • Viabilizar a comercialização direta (feiras, plataformas digitais, políticas de compras institucionais como PNAE e PAA);
  • Garantir acesso às políticas públicas estruturantes de educação contextualizada em respeito às diversidades dos territórios e maretórios, saúde, habitação, acesso à energia, entre outros.

4.Juventude e Gênero

  • Criação do Conselho Nacional da Juventude dos Povos e Comunidades Tradicionais, tendo em vista a necessidade de autonomia, protagonismo e as especificidades dessa juventude;
  • Criação de políticas públicas para a juventude de povos e comunidades tradicionais;
  • Apoio à comunicação para fortalecimento das vozes da juventude tradicional com incentivo a rádios comunitárias, coletivos de comunicação popular e produções audiovisuais locais;
  • Estabelecer canais de diálogo entre a juventude e o Estado, garantindo a ampla participação em todas as políticas que os afetam;
  • Inserção da história, cultura e práticas tradicionais, com a inclusão de temáticas sobre sociobiodiversidade, extrativismo e gestão territorial nos currículos das escolas e universidades;
  • Apoio a projetos de extensão universitária com povos e comunidades tradicionais;
  • Criação de programas de fomento à cultura de povos e comunidades tradicionais (danças, músicas, artes, culinária);
  • Criação de editais específicos de cultura e comunicação voltados para a juventude de povos e comunidades tradicionais;
  • Implementação de um Programa Nacional de Educação Ambiental Extrativista, construído de forma participativa;
  • Formação de educadores ambientais comunitários;
  • Criação de programas de formação política para a juventude;
  • Implementação de oficinas e formações em temáticas pertinentes relacionadas ao território para jovens;
  • Ampliação do acesso a linhas de crédito específicas para jovens dos povos e comunidades tradicionais (ex: PRONAF Jovem);
  • Garantir a participação da juventude nos processos de certificação para agregação de valor da produção da sociobiodiversidade;
  • Capacitação da juventude em empreendedorismo comunitário e cooperativismo solidário;
  • A criação de um percentual (cotas) que favoreça a juventude de povos e comunidades tradicionais nos editais de concursos governamentais;
  • Inclusão obrigatória de representantes jovens de povos e comunidades tradicionais nos conselhos e instâncias de controle social.

5.COP 30

  • Garantir a participação e visibilidade dos Coletivos das economias da sociobiodiversidade na COP 30, promovendo troca de conhecimento e o reconhecimento efetivo dos modos de vida e práticas dos povos e comunidades tradicionais no enfrentamento à crise climática como parte essencial do caminho para o desenvolvimento socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável;
  • Apoiar a participação e processos formativos para incidência nacional e internacional no contexto das COPs, como do Clima e da Biodiversidade;
  • Garantir o direito ao Seguro Climático como compensação financeira pelos prejuízos provocados pelos eventos extremos frutos da emergência climática, com impactos que geram perdas de produtividade, impossibilidade de plantio, coleta ou extração, insegurança alimentar, entre outros.

 

Povos e comunidades tradicionais: nada sobre nós, sem nós!
A morte da floresta é o fim da nossa vida!
Juventude que ousa lutar, constrói o poder popular!
COP 30: a resposta somos nós!