DIRETORIAS DO CNS (1985–2023)

Em seus 38 anos de existência, o CNS realizou seis Encontros Nacionais, entre 1985 e 2004, e cinco Congressos Nacionais, entre 2005 e 2019. O Congresso de 2023, que acontecerá em Brasília, entre os dias 13 e 17 de novembro, é o sexto desde que o CNS adotou a denominação Congresso Nacional, em 2005. 
O primeiro presidente do CNS foi Jaime da Silva Araújo, eleito por aclamação no I Encontro Nacional, em Brasília, junto com Raimundo Mendes de Barros, 1º Tesoureiro, e Osmarino Amâncio Rodrigues, 1º Secretário, para o período 1985–1988.
No II Encontro Nacional, foram eleitos para o período 1989–1992 Júlio Barbosa de Aquino, presidente, e Pedro Ramos de Souza, vice-presidente.  No III Encontro, os escolhidos para o mandato 1992–1994 foram Atanagildo de Deus Matos (Gatão), para presidente, e Júlio Barbosa de Aquino, para vice-presidente. 
Foi no IV Encontro, onde Gatão se reelegeu presidente e José Juarez Leitão foi eleito vice-presidente, para o período 1995-1998, que o CNS inovou na política de gênero, criando a 1ª Secretaria da Mulher Trabalhadora Extrativista. Raimunda Gomes da Silva, dona Raimunda dos Cocos, quebradeira de coco do Bico do Papagaio, tornou-se a primeira secretária.
Também foram eleitas para a Secretaria da Mulher Trabalhadora Extrativista e exerceram seus mandatos nas gestões subsequentes: Maria do Socorro Teixeira Lima, Célia Regina das Neves, Angela Maria Feitosa Mendes e Nice Machado. 
Manoel da Silva Cunha e Júlio Barbosa de Aquino foram eleitos presidente e vice-presidente no I Congresso Nacional, para o período 2005–2009.
Manoel da Silva Cunha foi reeleito presidente e Joaquim Correa de Souza Belo foi eleito vice-presidente durante o II Congresso, para o mandato 2009–2012. 
Foi no II Congresso, realizado em 2009, que, entre as alterações do Estatuto, mudou-se o nome de Conselho Nacional dos Seringueiros para Conselho Nacional das Populações Extrativistas, mantendo-se a sigla CNS e a logomarca. 
O III Congresso Nacional elegeu Joaquim Belo para presidente e Edel Nazaré de Moraes Tenório para vice-presidenta para o período 2012–2015. A dupla foi reeleita para um segundo mandato, de 2015–2019, no IV Congresso Nacional.
O V Congresso trouxe de volta Júlio Barbosa de Aquino como presidente e elegeu Maria do Socorro Teixeira Lima como vice-presidenta, para o período 2019–2023. 
Apenas duas mulheres tornaram-se vice-presidentas do CNS até o presente momento: Edel Nazaré de Moraes Tenório (2012– 2015/2015–2019) e Maria do Socorro Teixeira Lima (2019–2023).
Em 2011, o CNS realizou o I Chamado da Floresta, na Resex Terra Grande Pracaúba, no Pará. Em 2013, aconteceu um novo encontro, na Resex Gurupá Melgaço, e em 2015 o III Chamado da Floresta foi realizado na Resex Tapajós Arapiuns, com a participação de mais de três mil pessoas. 

Fátima Cristina da Silva – Educadora, com especialização em Metodologia de Ensino e Gestão Descentralizada. Sócia-Educadora da Rede Mulher de Educação. Integrante do grupo da Terra. Assessora Técnica do CNS e Coordenadora dos Projetos nas Áreas de Comunicação, Educação em Saúde e Gênero. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info).

JÚLIO BARBOSA DE AQUINO:  PRESIDENTE DO CNS  (1989–1992/2019–2023) 

Nascido e criado no Seringal Dois Irmãos, morador da Colocação República, no coração da Reserva Extrativista Chico Mendes, o seringueiro Júlio Barbosa vem de uma família grande, de doze irmãos (quatro mulheres e oito homens). Casado com Leide Aquino, Júlio é pai da Yara e avô da Mariah, do Diogo, do Júlio e do Mateo.

Ao acompanhar o pai na extração do látex das seringueiras nas matas de Xapuri desde os 10 anos de idade, aos 14 começou, ele mesmo, a cortar seringa, e assim o menino Júlio foi aprendendo, junto com os segredos da floresta, o significado de ser seringueiro: levar uma vida de muito trabalho e grandes privações dos bens de consumo urbano.

Porém, se muitas das vezes não havia um sapato para calçar, a mãe-floresta nunca deixou que lhe faltasse o leite da castanha, o açaí com farinha, a carne da caça, o ingá e toda a abundância que fez do menino-seringueiro sobrevivente de cinco malárias um homem forte e resistente, capaz de enfrentar as muitas adversidades surgidas ao longo de sua caminhada nos varadouros da vida.

 Fruto, segundo ele mesmo, de uma longa jornada de resistência contra a opressão de seu povo, Júlio iniciou sua militância social por meio das comunidades eclesiais de base da igreja católica, em plena ditadura militar, aos 22 anos de idade.  Desde então, nunca mais parou. 

Atendendo ao chamado de seu amigo Chico Mendes (seu padrinho de casamento com Leide), na década de 1970 Júlio foi para a linha de frente dos empates, em um esforço coletivo de resistência ao desmatamento das florestas por fazendeiros vindos do sul do país para, em seu lugar, instalar nas terras do Acre grandes fazendas de pecuária. 

Em 1977 participou da fundação, junto com Chico Mendes e seus companheiros, do Sindicato dos Trabalhadores (e das Trabalhadoras) Rurais de Xapuri, espaço de luta que serviu e ainda serve de esteio para a luta em defesa da Amazônia e base para a sonhada igualdade social.

Em 1985, participou, em Brasília, do I Encontro Nacional dos Seringueiros e do lançamento, pela voz de Chico Mendes, da proposta de Reserva Extrativistas e da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). 

Em dezembro de 1988, quando Chico Mendes foi assassinado com um tiro de escopeta, disparado por um pistoleiro a mando do latifúndio, mesmo sentindo que foi colocado sobre seus ombros o peso de muitas “pelas de borracha” (cada uma pesava entre 50 e 60 quilos, segundo o agrônomo e advogado Gomercindo Rodrigues), Júlio assumiu, sem titubear, a presidência do Sindicato.

Em 1989, o líder acreano assumiu, pela primeira vez, a presidência do CNS para um mandato de quatro anos (1989-1992). Havia chegado a hora de deixar os varadouros sombreados da floresta para explorar o campo minado da política nacional. Tempo de sair da luta local para a luta nacional por seu povo e por todas as populações extrativistas da Amazônia.

 As andanças de Júlio alargaram também os seus passos na política partidária. Eleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 1996, o seringueiro Júlio, forjado na luta pela sobrevivência e na defesa da floresta, exerceu dois mandatos seguidos como prefeito de Xapuri, a “Princesinha do Acre”, terra dos arrogantes barões da borracha, entre os anos de 1997 e 2004. 

Reeleito em 2019 para um segundo mandato (2019-2023) como presidente do CNS, em 2023 Júlio voltou a fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDESS), o Conselhão, interrompido durante o mandato do inominável e recriado pelo presidente Lula para, como nos mandatos do governos do PT desde 2003, “debater agendas e temas de interesse dos mais diversos segmentos da sociedade brasileira”. 

A exemplo de Chico Mendes, cuja luta em defesa da Amazônia tornou-se uma luta para salvar a humanidade, o seringueiro Júlio Barbosa, 69 anos completados em julho, mais da metade deles dedicados à defesa da floresta, segue firme, “lutando pela floresta em pé, pelo bem-viver dos povos que nela vivem e pelo futuro da própria humanidade”. 

Marcos Jorge Dias – Escritor. Estudante de Jornalismo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info).

ATANAGILDO DE DEUS MATOS (GATÃO): PRESIDENTE DO CNS   (1995–1998)

Atanagildo de Deus Matos, o grande líder extrativista conhecido como Gatão, nasceu na comunidade Castanheiro, no alto rio Oeiras, município de Oeiras do Pará (hoje essa localidade fica dentro da Reserva Extrativista Arióca/Pruanã), em uma área onde a família sempre viveu do extrativismo florestal e da agricultura de subsistência.

Gatão começou suas atividades políticas em 1968, com a organização das comunidades de base incentivadas pela igreja católica, quando reunia as famílias para reivindicar: escolas, saúde, documentação pessoal, defesa das terras etc.

Em 1973, foi eleito diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Oeiras do Pará e, a partir daí, sua trajetória política foi ampliada para todos os municípios, sempre com a função de esclarecer as pessoas e de incentivar os trabalhadores rurais a lutarem por seus direitos.

Na segunda metade da década de 1970, quando o governo federal criou para a Amazônia a campanha com o slogan: “terra sem homem, para homem sem terra”, Gatão percebeu a necessidade de articular trabalhadores rurais de outros municípios do estado do Pará, com a finalidade de resistir contra a grilagem de terra, a derrubada de floresta e a violência no campo.

“Era uma luta desigual.  Poucos dirigentes tinham coragem de se expor (Oeiras do Pará, Baião, Paragominas e Maracanã), na época o governo era militar, não havia apoio, a não ser alguns setores da igreja católica e a Contag, muito discretamente”, conta Gatão.

Em entrevista à educadora Cristina da Silva, relatou:

Resistir contra o desmatamento, à época, não era bem visto, a ordem do governo da ditadura militar era “desbravar” a Amazônia, trazer desenvolvimento, eliminar os “preguiçosos”, integrar ao resto do país aquela grande área ociosa. Mas nós não nos intimidamos, continuamos ampliando nosso trabalho de informar e esclarecer a importância dos moradores, da floresta, dos rios e da fauna. Foi assim que organizamos o primeiro encontro dos trabalhadores rurais de área de conflito de terra na Contag, em Brasília, Chico Mendes também estava presente.

Esse processo de articulação se ampliou para a região amazônica em outubro de 1985, quando foi criado o CNS, com a finalidade de lutar em defesa dos trabalhadores extrativistas da Amazônia, segmento de trabalhadores rurais que extrai da floresta produtos que geram a renda principal para o sustento de suas famílias sem prejudicar o meio ambiente.

“Naquela época, a grande maioria dos dirigentes de sindicatos da Amazônia não incluíam em seus planos de ação a defesa da floresta, e a economia extrativista era secundária para eles. Foram esses motivos que nos levaram a criar o Conselho Nacional dos Seringueiros”, relembra Gatão. 

Durante os anos 1980, foram consideráveis os avanços no reconhecimento da existência das populações extrativistas da Amazônia. O Movimento conseguiu que o Incra criasse os primeiros projetos de assentamento extrativista, no Acre, no Amazonas e no Amapá, na luta em defesa da floresta.

Participei ativamente da reorganização do sindicalismo na região, contribuímos no processo de criação da CUT, assim como na luta pelo fim do governo militar e por eleições diretas em todos os níveis. Nesse período, perdemos companheiros valiosos, dos quais destaco de maior repercussão: Wilson Pinheiro e Chico Mendes, no Acre; Raimundo Gingo, Benezinho, Zé Pião, João Canuto, Gabriel Pimenta e Paulo Fontelle, no Pará. Todos assassinados por pistoleiros.

Isso mostra a forma de ação dos grileiros, madeireiros e latifundiários em relação às populações que há centenas de anos habitam a região. Esse processo nos fez compreender que a luta em defesa da floresta e das populações que nela habitam não pode ser só localizada, mas que necessita de apoio de outras pessoas, de dentro e de fora do país.

Atanagildo de Deus Matos é um dos fundadores do CNS. No Pará, principalmente, desenvolveu uma grande rede de organização comunitária, foi um dos articuladores da criação de Reservas Extrativistas (Resex) e de Projetos de Assentamento Extrativista (PAE) na Amazônia Legal.
Desde antes da criação do CNS até os dias de hoje, Gatão é um dos grandes líderes do movimento extrativista, que segue em seu trabalho incansável de articular políticas públicas para a Amazônia. 

Marcos Jorge Dias – Escritor. Estudante de Jornalismo. Conselheiro da Revista Xapuri. Perfil produzido com base em entrevista de Gatão à educadora Fátima Cristina da Silva. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info).

JOSÉ JUAREZ LEITÃO DOS SANTOS: PRESIDENTE DO CNS  (1998–2002)

Perguntei um dia ao Juarez se podia entrevistá-lo.

– Claro! disse ele. O que você quer saber? 

– Tudo. Disse eu. 

Natural de Feijó-AC, onde hoje vive criando peixes e galinhas, e tirando açaí, Juarez começou nossa entrevista falando da grande admiração que tinha por seu pai, uma liderança expressiva na sua comunidade, que tinha uma subsede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feijó (STR-Feijó). 

Muito antes de ser um dos fundadores do PT na região, o velho seringueiro, me contou Juarez, fez uma espécie de revolução local, ao se recusar a pagar renda para o seringalista que se pretendia dono de sua colocação. Juarez seguiu os passos do pai.

Com pouco mais de 19 anos, foi eleito delegado sindical e, em 1988, com apenas 22 anos de idade, elegeu-se presidente do STR-Feijó. No mesmo ano, organizou um encontro de seringueiros da região, com a presença de Chico Mendes, a quem conheceu mais de perto naquele encontro. 

Antes, porém, em 1987, os dois já haviam estado juntos em uma reunião da Comissão Pastoral da Terra-CPT em Rio Branco, onde Juarez chegou depois de, segundo ele, passar por uma situação muito engraçada:

Uma vez chegou uma mulher da CPT lá na nossa comunidade e se reuniu com o pessoal. Aí eu boicotei a reunião dela, porque eu não sabia de quem se tratava, nem o que ela queria. Em vez de ficar com raiva de mim, a mulher foi à minha casa saber a razão do boicote. Como prêmio por meu cuidado com minha comunidade, ela conseguiu uma passagem para o encontro da CPT em Rio Branco, com todos os sindicatos rurais do estado do Acre. Foi lá que vi o Chico Mendes pela primeira vez.

Juarez foi delegado sindical, presidente do STR-Feijó e presidente da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Acre – Fetacre. Mas, para ele, o marco mais relevante de sua vida política foi o CNS:

 O sindicato me mostrou o Acre e o CNS me mostrou pro Acre, pro Brasil e para o mundo. Foi na minha gestão como presidente do CNS (quando a ministra Marina Silva era senadora da República) que conseguimos colocar os moradores da Reserva Extrativista como beneficiários da Reforma Agrária, para poderem ter acesso a ajuda residencial. A gente fez muita coisa.

Porém, segundo ele, seu maior empenho foi para a criação da Resex de Tarauacá. 

Pra mim foi uma questão de honra, porque a primeira vez que fui lá vi uma miséria tão extrema… Eu passei 42 dias dentro da Resex fazendo abaixo-assinado: pra levar pro CNPT, e o CNPT depois levar para o Ministério do Meio Ambiente. Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história.

Marcos Jorge Dias – Escritor, estudante de Jornalismo e membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info).

JOAQUIM CORREA DE SOUZA BELO: PRESIDENTE DO CNS  (2002–2005/2015–2019)

Joaquim Correa de Souza Belo herdou do pai, o grande líder extrativista Tomé de Souza Belo, a beleza no nome e a vocação para ser liderança. Da mãe, Maria Deuza Correa de Souza, carrega nas veias o pulsar de devoção ao guerreiro São Tiago, divindade mazaganense, razão por que, desde jovem, luta em defesa do território onde seus ancestrais assentaram morada.

Nascido em 19 de julho, Joaquim é natural de um Projeto de Assentamento Extrativista, no município de Mazagão, estado do Amapá, localidade que, por volta de 1770, recebeu 163 famílias transferidas de uma possessão portuguesa no Marrocos, na África.

Formado e forjado na Escola-Família Agrícola de Olivan Anchieta, Espírito Santo, nos anos de 1989 a 1992, Joaquim sempre esteve em lugares onde a luta do Movimento Social em defesa dos extrativistas e dos povos da floresta se fez necessária.

Duas vezes presidente do CNS, Joaquim foi também Secretário do CNS no Amapá, Conselheiro do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Carvão Mazagão, tesoureiro administrativo da Rede das Escolas-Família Agrícolas do Carvão Mazagão e membro do Fórum das Associações de Agricultores de Mazagão.

Atualmente, Joaquim é Coordenador de Projetos e Membro de Comitê Gestor e Conselhos: Projeto Puxirum (Governo Finlandês/ Santarém); Membro do Conselho Assessor Externo-CAE Embrapa;
Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural, Conselho Nacional de Floresta; Conselho Nacional de Meio Ambiente; Programa Áreas Protegidas-ARPA; Programa Comunidades Tradicionais (MMA); e Fundo Nacional de Meio Ambiente (MMA).

Para Joaquim, o conhecimento do extrativismo e das populações tradicionais é um aprendizado: 

Desde criança é preciso saber manejar uma floresta, olhar para o céu e saber sobre a influência da lua para fazer a colheita. Isso não é valorizado, é ignorado. O governo cria institutos de educação para o meio rural, mas o olhar ainda é vesgo. Existe uma política moldada e desenhada para esse modelo moderno que se choca com o modo de vida dos extrativistas.

Profundo em seu conhecimento, Joaquim vai além em sua compreensão da realidade enfrentada por seu povo na floresta:

Hoje a gente vive num sistema muito perverso. A produção se padronizou. Já a nossa batalha na terra é de geração para geração. Foi do meu avô para o meu pai, do meu pai para mim, e daí vai para o meu filho. Hoje essa passagem está em risco porque o nosso ambiente rural e extrativista vem sendo negado o tempo todo.


O que fazer? Joaquim, o grande líder da floresta, completa:


O instrumento que temos para defender nossos territórios é através das nossas organizações. E se não fosse esse movimento, o CNS e essa nossa resistência, não sei o que seria da Amazônia. 

Marcos Jorge Dias – Escritor, estudante de Jornalismo e membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Perfil extraído da entrevista feita por Maria Emília Coelho, jornalista e Assessora de Comunicação do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). Fontes: CartaCapital Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info

MANOEL CUNHA  PRESIDENTE DO CNS  (2005–2009/2009–2012)

Descendente dos seringueiros que desbravaram o rio Juruá nos tempos áureos do látex, que gerou imensas fortunas para os seringalistas, Manoel Cunha, como tantos outros, também foi vítima do sistema de aviamento que escravizou milhares de trabalhadores extrativistas na Amazônia.

Crescer em meio a uma gritante desigualdade social, presenciar inúmeras injustiças e as condições desumanas em que viviam muitos dos seus companheiros fez com que, desde cedo, o jovem seringueiro buscasse se engajar em movimentos que lutavam por melhores condições de vida e por justiça social.

Para Manoel, tudo começou no início dos anos 1980, quando teve contato com o movimento de Educação de Base da Igreja Católica. Após uma aula sobre a conjuntura social brasileira, Manoel entendeu que os explorados formavam a camada mais populosa da sociedade e que, unidos, poderiam mudar aquela realidade opressora.

Manoel integrou o Movimento de Educação de Base (MEB), foi membro da articulação que criou Unidades de Conservação em Carauari, no Amazonas. Foi presidente da principal organização do Médio Juruá, a Asproc. Seu trabalho fez com que ele se tornasse reconhecido nacionalmente e, em 2005, foi eleito para comandar o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), sendo presidente por duas gestões consecutivas, nos anos de 2005 a 2009 e de 2009 a 2012.

Protagonista de diversas lutas em uma região onde a ausência histórica do Estado permite que ações criminosas continuem ocorrendo (atualmente, o garimpo ilegal de ouro) e coloca em risco a vida dos defensores da Amazônia, Manoel é um grande personagem da história do CNS, da Amazônia e das lutas sociais.

Um acontecimento que marcou a vida do extrativista foi a visita, no começo dos anos 1990, do então presidente do CNS, Juarez Leitão, ao Médio Juruá, com a ideia que já fervilhava em todas as regiões da Amazônia – a criação de mais Reservas Extrativistas (as primeiras quatro Resex foram criadas em março de 1989), em especial a criação da Resex do Médio Juruá. 

Com 286 mil hectares, a Resex do Médio Juruá só saiu do papel em 1997, sete anos após o pedido de criação feito por Manoel Cunha e outras lideranças locais. 

Com a criação da Resex, os patrões seringalistas deixaram a área e os seringueiros finalmente se apropriaram da gestão do território, dando início a diversas ações que transformaram a unidade em símbolo de sustentabilidade.

Em 2016, a pedido da própria comunidade, Manoel tornou-se gestor da Resex do Médio Juruá, uma das mais preservadas entre as áreas protegidas da Amazônia brasileira, segundo dados do PRODES (INPE), gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

 Vim parar no ICMBio por exigência da comunidade. Meu nome sempre esteve à disposição do meu povo, que me conduz para onde acha que eu tenho maiores condições de colaborar. Se um dia a comunidade achar que não colaboro mais, vou sair daqui feliz e tocar minha vida no seringal como sempre toquei, porque o que gosto mesmo é de viver no meio do mato e cortar seringa.

Não é o caso. Manoel Cunha é uma referência na história do CNS e da resistência do povo amazônida que luta contra o desmatamento e pela preservação da Floresta, patrimônio de todos e de todas as pessoas que nela vivem. 

Desde que equipamentos de garimpo ilegal foram apreendidos em uma operação conjunta do Ibama e da Polícia Federal, em novembro de 2022, na região localizada entre os municípios de Carauari e Itamarati, no estado do Amazonas, Manoel passou a ser  alvo de ameaças e precisou sair da comunidade onde mora, para proteger sua própria vida, após receber informações de que estaria sendo procurado por um grupo de desconhecidos. 

Marcos Jorge Dias – Escritor. Estudante de Jornalismo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Perfil produzido a partir de entrevista feita por Wérica Lima e Leandro Chaves, publicada no Amazônia Real em  23/03/2023: https://amazoniareal.com.br/lider-extrativistamanoel-cunha-e-ameacado-por-combater-garimpo/. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info)

 

JAIME DA SILVA ARAÚJO: PRIMEIRO PRESIDENTE DO CNS  (1985–1988)

Jaime da Silva Araújo era, segundo o jornalista Elson Martins, um duende das matas, um ser que, lendo poemas e rezando sua própria oração de seringueiro, encantava “estudantes, intelectuais e políticos de Brasília com a desenvoltura com que anunciou a existência dos povos da floresta”, ao ser aclamado o primeiro presidente do CNS, em 17 de outubro de 1985.

De uma entrevista concedida à Vássia da Silveira e publicada por Elson Martins, em sua coluna Almanacre (27/05/2007), extraímos alguns fragmentos sobre a trajetória de vida de Jaime e sobre como ele chegou à presidência do CNS.

Índio potiguar de origem, Jaime tinha apenas dois meses de nascido quando seu povo foi dizimado. Criado por pais adotivos no Ceará, aos 19 anos veio para a Amazônia, onde se tornou pescador, castanheiro, embarcadiço, caçador e seringueiro, onde seguiu aprendendo tudo na prática. 

“Tudo eu aprendi na prática. Devia ter uns oito anos e morava em um local onde tinha muita areia e escrevia nela com um pedaço de pau. Depois ficava de pé, do lado, e ia discursar o que tinha escrito”. Considerava-se autodidata e um líder nato, porque não passou por nenhuma escola. 

Pra mim, a escola é o amanhã. Eu aprendi hoje, e amanhã falo de hoje: isso é uma grande escola pra mim, o dia a dia. Quando falo sobre a defesa, qualidade e comercialização da piaçaba, é porque eu cortei piaçaba.

Quando lhe falo sobre a castanha, é porque trabalhei com castanha. Quando lhe falo da copaíba, é porque coletei copaíba. Quando lhe falo da malva e da juta, é porque trabalhei com malva e juta. Quando lhe falo sobre a borracha, é porque fui seringueiro.

Em 1985, Jaime perambulava pelos seringais do rio Madeira, no Amazonas, onde era membro de uma Comunidade Eclesial de Base e organizava os seringueiros na luta contra os agressores (em geral pecuaristas), que estavam chegando à região.

Sem que tivessem combinado ou conversado antes, Chico Mendes fazia o mesmo no Acre e, quando se encontraram, ele foi convidado para participar do Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, em Brasília.

Pela performance que exibiu no Encontro, Jaime foi convidado para dar aulas de História da Amazônia na Universidade de Brasília. Mesmo sem formação universitária, lecionou durante um ano e meio na UnB.

Como presidente do CNS, Jaime Araújo fez palestras no Brasil e no exterior, reproduzidas em vários idiomas. Em 1989, lançou seu primeiro livro: A Amazônia, o Seringueiro e a Reserva Extrativista, traduzido para o inglês, que revelou nele um artista plástico inspirado. Após deixar a UNB, foi levado pela antropóloga Mary Allegretti para lecionar e pintar na Universidade Aberta, inaugurada no Parque Chico Mendes, na cidade de Curitiba.

Diz a lenda que, quando Jaime partiu deste mundo, virou duende das matas, onde segue eterno no coração das populações da floresta, assobiando o seu Pai Nosso do Seringueiro: 


Seringueira que estais na selva
Multiplicados sejam os vossos dias
Venha a nós o vosso leite
Seja feita a nossa borracha
Assim na prensa como na caixa
Para o sustento de nossas famílias
Nos dai hoje e todos os dias
Perdoai nossa ingratidão
Assim como nós perdoamos
As maldades do patrão
E ajudai a nos libertar
Das garras do regatão
Amém!

Marcos Jorge Dias – Escritor. Estudante de Jornalismo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023 (www.xapuri.info).

VICE-PRESIDÊNCIA DO CNS

MARIA DO SOCORRO TEIXEIRA LIMA: VICE-PRESIDENTA DO CNS  

Maria do Socorro Teixeira Lima é vice-presidenta do Conselho Nacional das Populações Tradicionais Extrativistas (CNS), mandato 2019–2023, e diretora do Memorial Chico Mendes (MCM). Dona Socorro, como é chamada, é também presidenta da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (ASMUBIP), em Tocantins.

 Liderança sindical desde os anos 1980 e filiada ao PT desde 1993, ela já disputou a vereança em 2008 e atuou em diversas organizações como Federação das Trabalhadoras de Agricultura do Estado do Tocantins (FETAET); Central Única dos Trabalhadores (CUT); e Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). 

Em matéria publicada no site Elas por Elas, da Secretaria Nacional de Mulheres do PT, em junho de 2002 , dona Socorro explica as principais reivindicações das mulheres quebradeiras de coco: “Reivindicamos incentivos para a produção Agroecológica das Mulheres na Agricultura Familiar,  políticas públicas como a compra de produtos da Agricultura Familiar, como o programa PAA-PNAE”. 

Sobre o significado de ser vice-presidenta do CNS, dona Socorro garante que essa conquista veio da luta das mulheres extrativistas: “Ao longo dos anos tivemos dificuldades por sermos mulheres, mas, por meio de muitas lutas de lideranças mulheres, hoje temos a paridade de gênero no CNS”. 

Zezé Weiss – Jornalista. Com base em informações de matéria publicada no site Elas por Elas, da Secretaria de Mulheres do PT: https://pt.org.br/maio-das-trabalhadoras-o-que-querem-as-quebradeiras-de-coco/. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.

 

EDEL NAZARÉ DE MORAES TENÓRIO:  VICE-PRESIDENTA DO CNS

A luta de Edel, essa jovem liderança guerreira das populações tradicionais, está centrada em manter os direitos preservados e em fazer com que governo e comunidade respeitem a tradicionalidade e a identidade dos povos que representa.

Nascida em 1978, em um açaizal no município de Curralinho, no arquipélago do Marajó-PA, Edel Moraes é professora, negra, marajoara, combativa, lutadora, amorosa, amável, dedicada. Competente, reflexiva, solidária, comprometida com suas causas, uma ativista social extremamente sensível aos problemas do próximo.

Filha do Sr. Dudu e da dona Célia, trabalhadores rurais de extrativismo sustentável sempre envolvidos em Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Edel representa muitas lutas: pelos direitos e pelo reconhecimento da mulher, pelos seus muitos companheiros e companheiras extrativistas, pela sustentabilidade do planeta, pela diminuição e aceitação das diferenças entre homens e mulheres, negros e brancos, rurais e urbanos e ainda muitas outras mais.

Criada no Marajó, Edel sabia intuitivamente que somente através da escola é que teria acesso a outros espaços para fortalecer seus sonhos e fazer deles objetivos de vida. Conseguiu e hoje o seu sonho transformou-se em sonho coletivo. Seu sonho estende-se à sua comunidade e às suas batalhas.

Para estudar, na capital paraense, onde concluiu o Ensino Médio em Escola Pública Estadual, foi de babá a empregada doméstica.  Mas a vida deu voltas e trouxe Edel, em 2000, novamente para o Município de Curralinho/PA.

Começou aí seu envolvimento com o movimento social de forma mais efetiva. Em 2001 concorreu e obteve êxito na primeira eleição do Conselho Tutelar do Município de Curralinho, representando o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR, e ali se manteve por dois mandatos, num total de oito anos.

Em 2005 entrou para a Universidade Estadual Vale do Acaraú e, enfrentando muita dificuldade financeira, concluiu, em 2008, o curso de Pedagogia, recebendo na ocasião o título de Honra ao Mérito de melhor aluna da turma. Mais um patamar subido e com muita honra, pois foi a primeira de sua família com formação em nível superior.

Depois veio, em 2009, o curso de Especialização em Educação do Campo, Desenvolvimento e Sustentabilidade, na Universidade Federal do Pará. 

Em 2010, coordenou o Território da Cidadania do Arquipélago do Marajó.

Em 2012 foi eleita no Congresso do CNS para a função de Diretora Nacional, e em 2015 foi reconduzida para mais um mandato, tornando-se a primeira vice-presidenta do CNS. Em 2017, terminou o mestrado em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB). 

Em 2023, Edel foi nomeada para o cargo de Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável, no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, conduzido pela Ministra Marina Silva. 

Iêda Vilas-Boas – Escritora (encantada em 8 de abril de 2022). Exceto pelo último parágrafo (atualizado pela Redação), este texto é um excerto do perfil de Edel publicado na Revista Xapuri em 22/05/2017. https://xapuri.info/edel-nazare-de-moraes-tenorio-uma-mulher-com-marca-de-agua-de-mato-de-terra-de-flor-e-de-luta/

SECRETARIA DE MULHERES DO CNS

NICE MACHADO: SECRETÁRIA DE MULHERES DO CNS (2019-2023)

Ao celebrar os 38 anos do CNS, em nome de Nice rendo minhas homenagens a todas as mulheres extrativistas do Brasil. Saúdo esta mulher de luta que, para sobreviver, quebra cocos nos babaçuais do município de Penalva, no Maranhão.

 É quebrando cocos que Nice vai vai traçando sua trajetória de resistência, a partir dos saberes da territorialidade ouvida de seu pai, Apolônio, de Joana Birgona, sua avó, de Pedro Celestino, seu bisavô, de Sebastiana Ferreira, sua tia, e de Sátiro Costa, seu tio lutador.

São as referências de luta dessa sua ancestralidade negra que fizeram de Nice liderança respeitada na luta pelos direitos territoriais, sociais e ambientais de sua comunidade penalvense do Quilombo Saubeiro, onde ela viveu até os 14 anos de idade.

Do Saubeiro, pelas mãos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Nice alçou voo para atuar, em defesa do povo quilombola, em vasta região da Baixada Maranhense, que inclui os campos de babaçu nativo de Viana, Penalva, Monção, Pedro do Rosário, Santa Helena e Cajari.

Assim, ancorada no norteamento histórico de seu pertencimento, Nice, que se autodefine como quilombola, quebradeira de coco de babaçu e, quando a luta permite, cantora do grupo Encantadeiras, formado por quebradeiras de coco de babaçu do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará.  

Sim, quando a luta permite, porque, desde os anos 1970, Nice vem reunindo lideranças de 180 comunidades quilombolas do campo, da floresta e das águas, hoje divididas em quatro territórios: Enseada da Mata, Formoso, Monte Cristo e Sansapé, e, desde 2019, responde como Secretária Nacional da Mulher Extrativista no Conselho Nacional das Populações Extrativistas.

Com seu povo mobilizado, Nice começa a organizar as primeiras associações da região, sediadas em casas feitas de taipa e cobertas de palha. É por meio dessas associações que o povo de Nice resiste contra a violência agrária, que tenta expulsar as famílias quilombolas de seus territórios.

Nice, eu ainda não conheço você. Sua história me chegou pelas mãos generosas da companheira Edel Moraes, do MMA. Mas eu sei que somos companheiras. Seus mais de 40 anos de luta merecem respeito e reverência, sobretudo por seu exemplo de mulher negra que, quebrando cocos e cantando loas à vida, vai forjando esse Brasil inclusivo e forte que buscamos construir. 

Iêda Leal – Secretária de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Igualdade Racial. Conselheira da Revista Xapuri. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.

ANGELA MENDES: COMPROMISSO COM A RESISTÊNCIA 

Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado com um tiro de escopeta no quintal de sua casa em Xapuri, no Acre. Ao longo dos anos, Angela Mendes, a filha mais velha de Chico, à época uma jovem de 18 anos, fez da dor da perda do pai compromisso com a resistência.

“Quando meu pai morreu foi horrível, foi como se o chão tivesse fugido debaixo dos meus pés. Entrei em um buraco de desespero por não compreender como uma pessoa tão querida como o meu pai podia ser morta daquela forma tão covarde”, diz Angela.

A filha de Chico conta que até hoje sente muita falta das brincadeiras, do carinho que os dois tinham um pelo outro, e fala da última vez em que se encontraram: “Nossa despedida foi de muito carinho, de muita compreensão, a gente ficou de se ver dias depois e, de repente, pronto: eu descubro que não vou vê-lo nunca mais”.

Este ano completam-se 35 anos do assassinato de Chico Mendes. A ambientalista Angela, ex-secretária da mulher extrativista do CNS, organiza, de 15 a 22 de dezembro, mais uma Semana Chico Mendes, com cinco empates temáticos: Memória e Legado; Sustentabilidade e Bem-Viver; Justiça Climática; Mulheres e Juventude que, como os igarapés da floresta, vão desaguar em um grande Empate de Retomada, em defesa do legado de Chico Mendes. 


Angela comenta: “Três décadas e meia depois, aqui estou eu, uma mulher da floresta, trabalhando no Comitê Chico Mendes, no Acre, e correndo mundo, como um dia fez meu pai, em defesa dos povos da Amazônia. É essa a maneira que encontro para honrar a memória, defender o legado e manter vivos os ideais de Chico Mendes”.

Angela Maria Feitosa Mendes – Presidenta do Comitê Chico Mendes. Conselheira da Revista Xapuri. Ex-Secretária de Mulheres do CNS. Texto com introdução de Zezé Weiss. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.

CÉLIA REGINA DAS NEVES: REFERÊNCIA NA LUTA EXTRATIVISTA

Originária da Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá, no estado do Pará, Célia Regina das Neves iniciou sua militância no CNS em 2003, onde ocupou a Secretaria da Mulher Extrativista. Atualmente, Célia é a secretária da mulher da Confederação das Reservas Extrativistas Marinhas – CONFREM.

Em 2007, durante a V Reunião Ordinária da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), ocorrida no dia em 17 de novembro, em Belém-PA, Célia assumiu oficialmente a suplência do líder extrativista Pedro Ramos na representação do CNS. Era mais um posto galgado numa longa trajetória de lutas e contribuições com o CNS. 

À época, a reunião teve como pauta a consolidação de políticas que pudessem garantir direitos, reduzir desigualdades sociais e, principalmente, discutir as dificuldades enfrentadas pelos PCTs nas questões previdenciárias, aposentadoria, licença maternidade, direitos das mulheres negras, quilombolas, ribeirinhas, quebradeiras de coco… mulheres vivendo em condições de extrema dificuldades, que tinham pouca ou quase nenhuma visibilidade social.

Ferrenha defensora das comunidades extrativistas, Célia denunciou a empresa Carbonext que queria instalar um projeto de Redd+ sem diálogo transparente com as comunidades das Resex do Pará. “Eles só discutem uma cláusula com a comunidade que é de 50% para a comunidade, 50% para a empresa, mas porcentagem do quê? Eles não dizem.”

O caso da Resex Mãe Grande é mais um exemplo de como os projetos de compensação de carbono se mostram, antes mesmo de instalarem-se, criando um problema para as comunidades, gerando divisão e conflitos em processos comunitários desenvolvidos durante décadas e que já enfrentaram muitas lutas para instituir-se a primeira reserva extrativista no Pará. 

As denúncias de projetos que buscam explorar a sociobiodiversidade da região se avolumam. “É preciso valorizar e defender os modos de vida das comunidades que secularmente vivem naquela região com a natureza, sendo parte da riqueza cultural e de vida que a Amazônia transborda. As propostas que tentam subverter esse jeito de viver, querem transformar os povos da floresta em assalariados, deixando seus modos de vida de lado e incorporando a lógica do capital em suas vidas,” denuncia Célia Regina Neves, liderança da Resex Mãe Grande Curuçá.

Marcos Jorge Dias – Escritor. Estudante de Jornalismo. Conselheiro da Revista Xapuri. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.

 

RAIMUNDA GOMES DA SILVA:  PRIMEIRA SECRETÁRIA DE MULHERES DO CNS

Raimunda Gomes da Silva, conhecida como Raimunda dos Cocos, primeira trabalhadora a assumir a Secretaria de Mulheres Extrativistas do CNS, foi uma mulher tão cheia de fibra quanto os cocos que colheu em vida. 

Nascida em Bacabal, no Maranhão, em 1940, dona Raimunda, como era chamada, só conseguiu aprender a assinar o nome quando já tinha 20 anos de idade, o que nunca a impediu de tornar-se porta-voz de quase meio milhão de mulheres trabalhadoras rurais extrativistas. 

Em sua luta por melhores condições de vida para as quebradeiras de coco de babaçu do Maranhão, suas companheiras, dona Raimunda correu mundo. Dela mesma ouvi uma vez em New York, nos anos 1990, sobre seu lendário encontro com Danielle Miterrand: 

Imagina eu, minha fia, que só calcei sapato com 15 anos de idade, chegando naquele palácio pra fazer palestra, convidada pela primeira dama. Me deu um frio na barriga e eu vi que as palavras não iam sair da minha boca. Então apelei pra cantoria: “Ah, não derruba essa palmeira, ah, não devora o palmeiral, tu não pode derrubar, precisamos preservar, a riqueza natural”.


O pungente canto de Raimunda deu certo em Paris, nos Estados Unidos, no Extremo Oriente, no Canadá, na China, na Europa toda. Também tocou corações e mentes em seu próprio país, recebeu o diploma Bertha Lutz do Senado Federal e gostava de dizer que era amiga pessoal do presidente Lula. 

Mas o que dona Raimunda fez de melhor, segundo ela mesma, foi criar seus sete filhos (quatro homens, dos quais um adotivo, e três mulheres), trabalhar nos campos de babaçu e organizar seu próprio povo. 

Ao Bico do Papagaio, dona Raimunda chegou em 1979. Ali, o encontro com Josimo Tavares, padre de luta, em 1983, a levou, em definitivo, para a linha de frente dos conflitos agrários. A própria terra que ocupava, junto com outras 30 famílias, na comunidade de Sete Barracas, no município de São Miguel do Tocantins, passou por vários conflitos e várias ameaças de despejo.

Em 1986, Sete Barracas foi desapropriada pelo Incra e tornou-se Assentamento da Reforma Agrária. Foi lá que dona Raimunda dos Cocos se assentou com seu companheiro Antonio, com quem vivia desde 1983. Foi lá que, entre uma viagem e outra, muitas delas para encontros e manifestações, Raimunda plantou roça e quebrou coco. 

Foi lá que Raimunda, poeta sertaneja, escreveu versos e compôs músicas denunciando crimes ambientais e injustiças sociais, porém sempre esperançando. 

Homenageada com o Prêmio Cidadania Brasileira (1988), Raimunda Gomes da Silva foi, inúmeras vezes, capa de jornal. Foi também protagonista de filmes, dentre eles “Raimunda, a quebradeira”, produzido pelo cineasta Marcelo Silva.

Dona Raimunda fundou, junto com outras companheiras, a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip) e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) que, desde 1991, atua nos estados do Pará, Tocantins, Maranhão e Piauí, em defesa da valorização das quebradeiras de coco.

Raimunda, a quebradeira de coco que se tornou doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e chegou a ser indicada para o Prêmio Nobel da Paz, partiu deste mundo em 7 de novembro de 2018, aos 78 anos, em sua residência, no assentamento Sete Barracas, devido às complicações de um diabetes, que já a impedia de enxergar. Deixa imensa saudade. 

Zezé Weiss – Jornalista. Editora da Revista Xapuri. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.

SECRETARIA DE JUVENTUDE DO CNS

LETÍCIA SANTIAGO DE MORAES: SECRETÁRIA DE JUVENTUDE DO CNS (2019-2023)

Meu nome é Letícia Santiago de Moraes, sou extrativista, moradora do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Ilha São João I, comunidade Nossa Senhora da Boa Esperança, rio Pagão, no município de Curralinho, Marajó-PA. Sou uma jovem mulher, filha de Dulcimar Baratinha de Moraes e Miracelia Santiago de Moraes, duas importantes lideranças das populações extrativistas da comunidade Nossa Senhora da Boa Esperança.

Eu nasci e me criei nesta comunidade que chamo carinhosamente de minha comunidade de pertencimento, pelo sentimento de ser e pertencer ao território, aos rios, às florestas e à diversidade. Sou neste processo uma sementinha que, junto com muitas outras sementinhas, luta pelo coletivo, por justiça social, ambiental e climática.

O território onde moro representa para mim a esperança de viver, e a floresta é uma herança guardada pelos meus ancestrais que levo como base da minha (RE) existência, pois a minha trajetória de jovem mulher extrativista se conecta às histórias de grandes líderes e mártires da Amazônia, como Chico Mendes, líder seringueiro, herói do Brasil, um revolucionário cujo ideal vive às gerações e contam histórias como a minha. Em razão disso, a juventude da floresta possui uma identidade e ela é também extrativista!

Nós, as juventudes extrativistas, nascemos com a responsabilidade de guardar um legado de luta, luto, resistência, conquista e esperanças, o território é a raiz deste legado. Mas não podemos nos esquecer dos nossos desafios diários, já que nascemos em um ambiente em que permanecer nas nossas casas com os nossos modos de vida é desafiador pela ausência de garantia de direitos aglutinadores à garantia do território como educação, saúde, produção, saneamento, comunicação, esporte e lazer, e que tais políticas sejam construídas para nós e conosco, de acordo com as nossas necessidades. Por isso, lutamos e reafirmamos a continuidade dessa luta.

É das histórias contadas e lidas que carrego o legado de Chico Mendes e continuo a perpetuar o dizer que “a defesa da floresta é pela humanidade”, e aqui reforço que a carta ao jovem do futuro deixada por Chico Mendes me motiva a continuar em defesa da construção de um mundo mais justo, para que um dia o legado de dor, sofrimento e morte seja apenas uma lembrança, como sonhou o grande líder seringueiro Chico Mendes.

Letícia Santiago de Moraes – Extrativista. Secretária de Juventude do CNS. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.

 

DIONE TORQUATO: PRIMEIRO SECRETÁRIO DE JUVENTUDE DO CNS

Nasci na Floresta Nacional de Tefé-AM, sou filho e neto de seringueiros. Desde pequeno ouvi falar de Chico Mendes e de sua luta contra a destruição da floresta amazônica. Histórias de coragem e resistência para defender seu território ecoavam em meus ouvidos.
Sempre sonhei em conhecer sua cidade e sua casa, até que, em 2016, tive a felicidade, tive a honra de viver esse sonho, visitar Xapuri e a casa de Chico Mendes, na companhia de sua filha Angela, que conheci em Belém do Pará, no ano de 2013.

Chico, obrigado por ter lutado por nós. Obrigado por ter falado ao mundo sobre a importância de proteger a Amazônia e por dar voz aos nossos povos e territórios. Eu gostaria muito de ter tido a chance de conhecer você, para te dizer, pessoalmente, que a sua luta não foi em vão.

Hoje, aos 36 anos de idade e com duas filhas adolescentes, tenho a cada dia mais certeza de que fiz o que tinha que ser feito ao dedicar a minha vida a honrar sua história e a lutar pela continuidade de seu legado, que continua a inspirar muitas pessoas, especialmente nós, que ainda somos jovens.

Você está presente em cada semente plantada, em cada árvore protegida e em cada atividade de promoção de uma cultura de conservação e respeito à natureza. Você nos ensinou a amar e a respeitara a Amazônia, a lutar por nossas terras e por nossa dignidade.

Passados todos esses anos e diante de tantos desafios, cabe a cada um e a cada uma de nós continuar com sua luta, pois entendemos que jamais haverá igualdade social enquanto houver opressão sobre nossos povos.

Que não haverá justiça e inclusão enquanto nossos territórios estiverem sob o poder do grande capital. Que não há como construir sonhos enquanto a nossa liberdade estiver limitada pela ausência do Estado com suas políticas públicas.

Essa compreensão que hoje temos do mundo é porque lá atrás você, Chico, nos ensinou que outros mundos são possíveis quando lutamos por liberdade, igualdade e justiça socioambiental. Seu exemplo de coragem e amor pela vida jamais será esquecido.

Viva você, Chico Mendes!

Dione Torquato – Primeiro Secretário Nacional de Juventude do Conselho Nacional das Populações Extrativistas. Atual Secretário-Geral do CNS. Fonte: Revista Xapuri – Edição 108 – outubro de 2023.